Ensino Básico

Uma agenda para a formação continuada de professores

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É difícil pensar a prática pedagógica dos professores dissociada de reflexão e estudo permanentes. A formação precisa ser uma responsabilidade compartilhada entre as IES e os profissionais

Prática pedagógica dos professores deve estar associada à reflexão e ao estudo permanente. Crédito: Shutterstock.

Por Mônica Timm de Carvalho*

A formação de professores — e, em especial, daqueles que lecionam no ensino médio — é um complexo desafio. Sendo especialistas nas diversas áreas do conhecimento, professores que lecionam nos anos finais da educação básica por vezes pouco conhecem questões diretamente relacionadas à educação em geral, como organização do currículo, procedimentos didáticos eficazes, formas de acompanhamento da aprendizagem dos alunos, etc.

Como se não bastassem essas lacunas na formação desses profissionais, que precisam ser sanadas, ainda há a falta de oportunidade, interesse ou tempo para que eles se atualizem ou adquiram conhecimentos necessários ao exercício da docência. A frágil capacitação de professores, seja nos cursos de licenciatura, seja em iniciativas para a formação continuada, por certo está entre as principais causas do insucesso dos estudantes do ensino médio no Brasil.

O problema da falta de programas para a formação continuada de professores vem implicando uma gradativa e preocupante ampliação da dissintonia entre esses profissionais e seus alunos. Estou falando de professores que, na maior parte das vezes, pouco conhecem a realidade, as necessidades e as expectativas dos jovens de hoje. Salvo aqueles alocados em ilhas de excelência ou que apresentam formação bem acima da média, esses professores apresentam pouca familiaridade com o uso das novas tecnologias e pouco repertório de estratégias didáticas.

O resultado dessa equação tem sido a perda de relevância das instituições de ensino na vida dos estudantes. Ao perceberem que aprendem menos do que deveriam com seus mestres, alunos os destituem do papel de pessoas inspiradoras e desafiadoras, deixando, por consequência, de atribuir valor à escola.

Não é raro encontrar professores que estruturam suas aulas do mesmo modo como faziam há 15 ou 25 anos. E mais: seguem empregando práticas usadas há mais de um século, como aulas expositivas, pautadas quase exclusivamente por conteúdos conceituais, reproduzidas em lotes e à exaustão, independentemente do perfil e da realidade dos alunos. Essa ausência de reflexão sobre a adequação dos procedimentos didáticos à realidade dos estudantes é uma das principais causas dos baixos resultados educacionais e da progressiva perda de relevância da escola.

A formação permanente precisa ser uma responsabilidade compartilhada entre as instituições de ensino e os profissionais da educação. É dever das escolas, porquanto estas precisam habilitar seus professores a desenvolver seus diferentes projetos político-pedagógicos, sendo necessário que invistam com afinco na aprendizagem de seus professores para que bem desenvolvam a estratégia da instituição. Sabidamente, uma escola que não se ocupa da formação permanente de seus professores coloca em xeque a aprendizagem de seus alunos.

Por outro lado, cabe ao professor a gestão de sua carreira e, por consequência, o investimento em sua própria formação continuada. A velocidade das mudanças do mundo exige que pessoas responsáveis por ensinar sejam as mais comprometidas com a atualização de seus próprios conhecimentos. Formação continuada é premissa que sustenta profissionais de todos os matizes, mas muito especialmente aqueles que se dizem profissionais do conhecimento.

Uma nova pauta para a formação continuada de professores

Além da necessária atualização em conteúdos específicos a cada área do conhecimento, há pelo menos três grandes tópicos que precisam estar presentes nas iniciativas referentes à formação de professores do ensino médio:

  1. Conhecimento sobre a etapa de desenvolvimento em que se encontram seus alunos, bem como sobre a forma como os jovens de hoje se relacionam entre si, com as figuras de autoridade e com a sociedade em geral;
  2. Conhecimento sobre referências em boas práticas de ensino na sua área;
  3. Conhecimento sobre como identificar o impacto da docência nas aprendizagens dos alunos.

O primeiro tópico talvez seja aquele que vem recebendo menor investimento, tanto por parte das escolas quanto por parte dos profissionais da educação.

É também o que apresenta maior resistência dos próprios professores quando demandados a estudar sobre o assunto. Tido como conteúdo que interessa somente a pedagogos ou professores de educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental, o conhecimento sobre a etapa de desenvolvimento dos alunos (estando aí incluídos estudos sobre o perfil cognitivo e socioafetivo desses estudantes) fica à margem dos cursos de licenciatura e pouco transita pelas salas de professores do ensino médio.

Para responder à lógica da “sala de aula auditório”, em que os alunos precisam tão somente escutar, entender e reproduzir, nos instrumentos de avaliação a que são submetidos, o que lhes disse o professor, de fato não importa muito saber como os alunos aprendem, o que os motiva e como é possível mobilizá-los à resolução de problemas e à autonomia para a aplicação dos conteúdos aprendidos. O estudo sobre as características da etapa de desenvolvimento dos alunos do ensino médio só terá sentido se a perspectiva do ensino estiver, de fato, associada ao compromisso primeiro com a aprendizagem.

Metade de tudo o que é feito em sala de aula tem baixíssimo efeito na aprendizagem dos alunos

Não é o que se percebe em regra. Mais do que comprometidos com a aprendizagem dos alunos, professores do ensino médio sentem-se responsabilizados por “vencer os conteúdos”, como se estes tivessem um fim em si mesmos. Dificilmente se ocupam de modelar uma intervenção pedagógica voltada a atender às necessidades dos alunos que ainda estão, por exemplo, na fase das operações concretas. “Se esses alunos não aprenderam, é porque não se esforçaram em prestar atenção”, diria um professor em um conselho de classe. Já se o compromisso primeiro da docência for com a aprendizagem, e não com a burocracia, conhecer como pensam e se comportam os alunos que frequentam o ensino médio será o ponto de partida para o planejamento das aulas.

O segundo tópico — conhecimento sobre referências em boas práticas de ensino — é outro aspecto que merece mais atenção. Esse conhecimento visa a garantir que o professor empregue estratégias que notadamente impactem a aprendizagem dos seus alunos. Pesquisadores do Instituto de Pesquisa em Educação de Melbourne, na Universidade de Melbourne (Austrália), e da Universidade de Auckland (Nova Zelândia), liderados pelo professor John Hattie, empreenderam a pesquisa aplicada em educação denominada Aprendizagem visível (Hattie, 2009).

Os estudos constataram que apenas metade do que é feito com todos os alunos em aula (temas de casa, leitura socializada, ensino baseado em investigação, entre outras atividades) impacta de fato a aprendizagem. Disso decorre a conclusão de que metade de tudo o que é feito em sala de aula tem baixíssimo efeito na aprendizagem dos alunos.

Identificar o que funciona e o que pouco ou nada funciona no ensino e na aprendizagem é, sem dúvida, o melhor caminho para que se consiga empreender, com mais chances de êxito, uma educação de qualidade. Escolas e professores precisam estar empenhados em realizar pesquisas de benchmark (análise comparativa para identificar produtos, serviços ou práticas que sejam referência em qualidade) sobre práticas pedagógicas, para buscar inspiração ou bons protocolos que garantam os resultados pretendidos.

Visitas a outras instituições de ensino, participação em grupos de pesquisa ou mesmo acompanhamento de cases de sucesso estão entre as formas mais eficazes de ampliar o conhecimento sobre o que é mais efetivo na busca pela qualidade na educação.

Por fim, o terceiro tópico — conhecimento de como se identifica o impacto da docência na aprendizagem dos alunos — ainda é tema pouco presente na pauta das formações continuadas, seja por iniciativa das escolas ou de cada um dos profissionais da educação. Isso acontece porque as práticas pedagógicas presentes em nossas escolas seguem, em geral, mais alinhadas às predileções de quem ensina do que às necessidades e possibilidades de quem aprende. O foco ainda está na ação do professor, basicamente o protagonista de todo o processo.

No entanto, a qualidade do ensino só pode ser entendida mediante a constatação do seu impacto nos resultados da aprendizagem, ou seja, o ato de ensinar pressupõe intervenções deliberadas para que mudanças cognitivas nos alunos sejam garantidas. O êxito de um professor, portanto, é medido basicamente pelo sucesso dos alunos, constatado pela ampliação da curva de aprendizagem dos estudantes.

Identificar o impacto da docência não é tarefa fácil. Exige conhecimento de como recolher evidências fidedignas dos níveis atuais e desejados de realização de cada aluno. A verificação da progressão do ponto atual em que está o aluno para o ponto desejado é outra competência fundamental do professor. As instituições e os profissionais que não se propuserem a refletir sistemática e permanentemente sobre suas práticas, visando a atualizá-las e qualificá-las para garantir a aprendizagem dos estudantes, por certo rumarão para a perda de significado social.

O novo ensino médio, para ser efetivo na promoção das aprendizagens dos alunos, não pode apenas se preocupar com as novas Diretrizes Curriculares Nacionais e seus desdobramentos em itinerários formativos. É preciso que as instituições de ensino concebam também currículos para formação continuada de seus professores.

A formação continuada de professores é, contudo, uma responsabilidade compartilhada por muitos atores: instituições de ensino superior, em especial cursos de pedagogia e licenciaturas; escolas, que precisam habilitar permanentemente seus professores a realizar com êxito seus diferentes projetos político-pedagógicos; professores, que, ao se intitularem profissionais do conhecimento, precisam ser os primeiros a exigir qualidade nos cursos de graduação e especialização, buscar espaço de estudo nas escolas e investirem-se da lógica de pesquisadores, refletindo sobre suas práticas, analisando permanentemente os resultados de suas intervenções e buscando fontes e referências para qualificar-se permanentemente.

Identificar o que funciona ou não é o melhor caminho para uma educação de qualidade

Formação docente para a promoção de mudanças disruptivas

Uma das formas mais eficientes de fazer com que a aprendizagem seja visível em nossas escolas é garantir mais espaço para os professores interpretarem as evidências a respeito de seus efeitos sobre cada aluno. Professores trabalhando juntos para planejar e criticar as aulas, para interpretar e decidir, à luz de evidências, as sequências didáticas a serem propostas aos seus alunos, costumam ser um investimento que traz como retorno um significativo salto de qualidade nos resultados das escolas. É o que todas as instituições de ensino deveriam pretender: que seus alunos aprendam mais e melhor.

Vivemos tempos de aceleração da realidade e invasão das mídias eletrônicas, de celebração do consumo como expressão pessoal e falência das metanarrativas emancipatórias, de mudanças nos sistemas produtivos e crise do trabalho. É difícil acreditar que projetos educacionais pautados pela lógica industrial, sustentada pelos princípios da previsibilidade, da constância, da padronização e da repetição, possam habilitar sujeitos a conviver com toda essa complexidade, que tem como marcas a inquietação, a incerteza, o imprevisível e o diferente.

É difícil pensar a prática pedagógica dos professores dissociada de reflexão e estudo permanentes, que garantam o engajamento do aluno e a efetividade de sua aprendizagem. Tal feito não poderá ser a soma dos métodos díspares dos professores de uma instituição, mas consequência de um processo de elaboração que considere os fins educacionais e os conhecimentos produzidos pelas ciências da aprendizagem.

No que tange às escolas e sua parte de responsabilidade com a formação continuada de seus professores, o estabelecimento de um currículo corporativo, voltado a fomentar a aprendizagem de quem ensina, talvez seja o que de mais relevante possam fazer em busca da melhor qualidade do ensino.

*Escrito por Mônica Timm de Carvalho, o artigo “Uma agenda para a formação continuada de professores” está na edição n° 36 da Revista Pátio Ensino Médio, Profissional e Tecnológico. Para assinar a revista, CLIQUE AQUI.


Sobre a autora

Mônica Timm de Carvalho é licenciada em Letras, especialista em Gestão empresarial, mestre em Gestão educacional, diretora executiva da plataforma de leitura Elefante Letrado e sócia da MTIMM assessoria em estratégia organizacional. E-mail: monica.timm.carvalho@gmail.com.

Referência

HATTIE, J. Aprendizagem visível para professores: como maximizar o impacto da aprendizagem. Porto Alegre: Penso, 2017.

Saiba mais

HATTIE, J. Aprendizagem visível para professores: como maximizar o impacto da aprendizagem. Porto Alegre: Penso, 2017.

Redação Pátio
A redação da Pátio – Revista Pedagógica é formada por jornalistas do portal Desafios da Educação e educadores das áreas de ensino infantil, fundamental e médio.

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