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A anatomia da aprendizagem dedutiva, indutiva e abdutiva

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aprendizagem dedutiva indutiva abdutiva

Processo de ensino e aprendizagem em todos os níveis da educação e que o mercado, cada vez mais, acontece sem a interferência dos educadores. Crédito: Pexels.

Por Rui Fava

Em termos de PDCA acadêmico, os raciocínios dedutivo e indutivo estão mais contíguos ao planejamento (plan), escolha e organização dos conteúdos – enquanto o raciocínio abdutivo está coadunado com a disponibilização (do), processo de aprendizagem.

A dedução é relacionado ao currículo tradicional no qual é ofertado enormes quantidades de conteúdos, segmentados por disciplinas cartesianas, instruído por meio de aulas palestradas, estudantes passivos, deixando mais para o final do curso a prática pedagógica, laboratorial, muitas vezes sem qualquer conexão com o mundo real.

A indução concerne ao currículo por competência na qual a prática, por meio do raciocínio abdutivo, ocorre concomitantemente ao ensino e aplicação dos conteúdos, com aplicação no desenvolvimento de projetos e resolução de problemas reais ou simulados.

Isso posto, sugere-se que a abordagem da educação tradicional é dedutiva, transitando de princípios gerais para exemplos e aplicações específicas. Nos currículos dedutivos os primeiros semestres são devotados quase inteiramente para os fundamentos básicos, sendo repetidamente assegurado de que esses conteúdos serão vitalmente significativos mais adiante, quando do desenvolvimento dos conteúdos específicos do curso ou da área de conhecimento.

A errônea pressuposição é que os estudantes são ineptos a se defrontar com projetos, processos, sistemas e resolução de problemas reais até que tenham dominado todos os conteúdos e habilidades de fundamentos e específicos.

O ensino indutivo, ao contrário, é aquele que faz o estudante por si só descobrir as sementes do saber. Inicia-se com um desafio, uma pergunta inteligente, um problema real para resolver, um projeto para desenvolver, um estudo de caso para analisar, a observação de um fenômeno ou o resultado experimental de laboratório.

Os desafios devem ser cuidadosamente projetados para auxiliar os estudantes a conectar os conteúdos com as tarefas, atividades, conhecimentos prévios e os objetivos da aprendizagem.

Dedução, indução e abdução no processo de ensino e aprendizagem.

Pesquisas da Neurociência apontam evidências que o ensino indutivo, em média, é mais eficaz e efetivo do que o ensino dedutivo tradicional. No entanto, enquanto a indução apresenta maiores obstáculos de planejamento e gerenciamento para os docentes, é provável que a dedução propicie mais ressentimentos e inquietações dos estudantes, que muitas vezes não encontram utilidade nos conteúdos que estão sendo ensinados.

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Contudo, devido a cultura intrínseca e imutável do ensino conteudista centrado no professor, se não guarnecer de assistência cravejada, adequada e irrestrita na introdução do ensino indutivo, a resistência natural ao ensino centrado no aluno pode se transformar em hostilidades e o aprendizado dos estudantes poderá ser menos eficaz do que os do ensino dedutivo tradicional.

No advento da implantação do currículo indutivo, o ideal é implementar uma hierarquia de níveis de desafios diferentes, variando de:

  • Menores, como pequenos projetos individuais ou em grupos, análise de estudo de casos, instrução entre pares;
  • Moderados, projetos um pouco mais extensos e expressivos;
  • Relevantes, aprendizagem baseada em projetos complexos e resolução de problemas reais.

O filósofo e pedagogista americano Charles Sanders Peirce (1839-1914) foi o primeiro a distinguir a abdução como sendo uma forma de inferência lógica com a finalidade de conhecer e interpretar um fenômeno.

A abdução é uma espécime de lei da liberdade, na acepção em que as ideias são espontaneamente correlacionadas, de forma criativa, para aquisição, conclusão e estabelecimento de um resultado. Trata-se de uma forma de raciocínio em que uma hipótese é elegida como uma provável explanação para um fato observado ou um problema a ser solucionado.

A lógica em contextos pedagógicos, especialmente sob a forma de argumentação, se assemelha ao raciocínio abdutivo. Sendo este o caso, se faz mister guarnecer os docentes com ferramentas para ajudá-los a utilizar o raciocínio abdutivo de maneira argumentativa no processo de ensino e aprendizagem.

A abdução é diferente da dedução e da indução porque a conclusão é apenas uma hipótese baseada no conhecimento e nas evidências pertinentes naquele momento. Por essa razão, as inferências abdutivas estão sujeitas à reparação se uma apuração e análise demostrar alternativas mais aderentes e melhores.

É possível comparar o raciocínio abdutivo a lógica de um detetive rastreando as melhores explicações que facultariam razoável elucidação ao caso investigado. A decisão da melhor informação é baseada no critério de plausibilidade e não em possibilidades como numa ilação dedutiva ou na probabilidade, como na maioria das pressuposições indutivas.

A argumentação no raciocínio abdutivo, refere-se à atividades sociocognitivas intrinsecamente relacionadas com a aprendizagem. Trata-se de um exercício cognitivo, pois faz uso de elementos argumentativos para defender um ponto de vista de tal maneira que o torne aceitável. Também é uma ação social, porque, ao avançar na exposição, o indivíduo se comunica com os stakeholders, a fim de modificarem seus entendimentos.

As estratégias do currículo indutivo estão se tonificando devido a hodierna inevitabilidade de desenvolver competências a fim de angariar empregabilidade e trabalhabilidade.

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No ensino indutivo, o docente inicia apresentando aos discentes um desafio específico, como dados experimentais para interpretar, um projeto para desenvolver, um estudo de caso para analisar, um problema complexo do mundo real para resolver.

A indução nesse caso, refere-se à ideia do processo de ensino e aprendizagem iniciar com alguma coisa concreta que os estudantes geralmente conhecem para chegar a algo mais abstrato, como o conhecimento, a habilidade, conceito, princípio, que o professor deseja que os estudantes aprendam.

Outrossim é contrastado com o tradicional ensino dedutivo, no qual os alunos, primeiro assimilam teorias, conceitos, conteúdos e depois progridem para exercícios e, mais raramente, para aplicações da vida real.

No entanto, nem a dedução nem a indução utilizadas neste contexto fornecem qualquer informação sobre o tipo de raciocínio que ocorre na sala de aula e que subsequentemente leva ao aprendizado, se faz mister outras ferramentas para tal.

O fato é que existe uma pujante metamorfose ocorrendo no processo de ensino e aprendizagem em todos os níveis da educação e que o mercado está se auto organizando, muitas vezes sem a interferência dos educadores, o que se torna perigoso, pois essa auto-organização poderá levar a uma educação mais ineficiente ainda do que o ensino tradicional.

É notório que o ensino dedutivo não é mais efetivo nesse novo contexto onde o desenvolvimento de competências é obrigatório e imprescindível. É lídimo também que somente a aprendizagem indutiva, com forte utilização do raciocínio abdutivo e suporte da tecnologia digital e inteligência artificial é capaz de desenvolver as competências cognitivas, emocionais, volitivas e decerneres tão sintomáticas para o sucesso profissional e pessoal no século 21.

Leia mais: Uma conversa com Rui Fava sobre educação, trabalho e tecnologia


Sobre o autor

Rui Fava é sócio-fundador da Atmã Educar, ex-reitor da Unic, da Unopar e vice-presidente acadêmico da Kroton. É autor de diversos livros, como Trabalho, Educação e Inteligência Artificial: A Era do Indivíduo Versátil, Educação 3.0: Como Aplicar o PDCA nas Instituições de Ensino e Educação para o século 21: a era do indivíduo digital.

Redação
A redação do portal Desafios da Educação é formada por jornalistas, educadores e especialistas em ensino básico e superior.

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