Gestão educacional

O que aprendi com o ensino superior do México

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ensino superior México

Alunos da Aliat Universidades durante atividade prática: por mais que o México olhe o Brasil como um modelo de ensino superior a ser seguido, temos muito a aprender com ele. Crédito: Gustavo Hoffmann/Desafios da Educação.

Nos últimos anos, tive a oportunidade de conhecer os modelos de ensino superior de pelo menos 10 países. É inegável que temos muito o que aprender com os modelos adotados por Singapura, Finlândia, Coreia do Sul, Dinamarca e até mesmo pelos Estados Unidos. Mas confesso que o México foi um dos países que mais me surpreendeu.

Eu sempre digo que temos que “tropicalizar” as boas práticas adotadas pelos países mais desenvolvidos. O que funciona bem na Finlândia não funcionará da mesma forma aqui no Brasil. No entanto, com o México, que está longe de ser mais desenvolvido do que o Brasil, é bem diferente.

É impressionante a similaridade cultural entre Brasil e México. E, por mais que eles nos vejam como um modelo de ensino superior a ser seguido, aprendi muito a partir da convivência com as universidades mexicanas.

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Diferenças entre Brasil e México: regulação

Minha relação com o sistema de ensino superior do México começou em 2018, quando fui convidado, através do Grupo A, a liderar a construção de um modelo de ensino híbrido inovador para a Aliat Universidades.

Uma das maiores redes mexicanas de educação, a Aliat conta com sete instituições – algumas cinquentenárias – em 15 dos 31 estados da federação. No total, são 32 campi e aproximadamente 55 mil alunos.

Quando surge um projeto em outro país, o primeiro passo é entender não somente a cultura desse país, mas também como funciona o sistema regulatório por lá – com características bem diferentes do sistema brasileiro.

Por exemplo: enquanto nosso sistema é semestral, com aproximadamente 20 semanas letivas por semestre, o sistema do México é quadrimestral, com 14 semanas letivas. Isso permite que eles tenham três ciclos anuais de entradas de alunos (intakes).

Os ciclos quadrimestrais se iniciam em janeiro, maio e setembro. A entrada de setembro é a mais forte, pois o calendário do ensino médio se encerra em julho.

Como o aluno cursa três ciclos por ano (e não dois, como no nosso sistema), o tempo de integralização dos cursos é menor. Cursos de engenharia e saúde são integralizados em 4 anos (um ano a menos do que no Brasil), ou menos.

Presencial, EAD e “mixto”

Outra diferença está na definição da modalidade do curso no que diz respeito à presencialidade.

No Brasil, do ponto de vista regulatório, temos duas modalidades: presencial e a distância (EAD). No México, existem três modalidades: presencial, EAD e “mixtos”.

Os cursos presenciais mexicanos não podem ter nem 1% de atividades online. Aqui no Brasil, os cursos presenciais podem ter até 20% (em alguns casos, 40%) da carga horaria não presencial.

Leia mais: Com EAD em 40% da carga horária, ensino híbrido ganha espaço

No México, se um curso tiver de 1% a 99% da carga horaria online , ele é considerado mixto.

Já os cursos EAD são 100% online, inclusive a realização das provas, que não exige presencialidade. Ou seja, no México, um aluno de EAD pode ter um diploma superior sem ter nunca ido a um polo ou a uma faculdade.

Horário das aulas

Mas talvez a maior diferença entre os modelos brasileiro e mexicano esteja nos horários de aula. Enquanto no Brasil a maioria das matrículas estão concentradas no período noturno, no México a maior concentração durante a semana está no turno matutino.

Você deve estar se perguntando: e os alunos trabalhadores, que não têm disponibilidade para frequentar a universidade durante o dia? Alguns poucos se matriculam no período noturno, mas trata-se de uma quantidade muito pequena.

A maioria dos alunos trabalhadores estão matriculados em cursos híbridos, com momentos presenciais de 6 a 8 horas nos finais de semana (aos sábados ou aos domingos).

Culturalmente, os estudantes mexicanos preferem frequentar um campus na manhã do sábado ou do domingo do que em alguns dias da semana durante a noite. Ao longo da semana, estes estudantes se dedicam ao auto estudo, preparando-se para os momentos presenciais nos finais de semana.

Ou seja, um prato cheio para uma oferta híbrida, com inversão da sala de aula e aplicação de metodologias ativas nos momentos presenciais. Foi neste cenário que comecei minha relação com o México.

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Alunos da Aliat Universidades são submetidos a situações problema e testes conceituais. Crédito: Gustavo Hoffmann/Desafios da Educação.

O projeto da Aliat Universidades durou um pouco mais de um ano. Desenhamos um currículo inovador, com forte presença das soft skills. Definimos um modelo de produção de conteúdos partindo de desafios de aprendizagem, passando por infográficos, textos, vídeos e gamificação, algo bem parecido com a plataforma SAGAH, já amplamente utilizada aqui no Brasil.

Elegemos tecnologias que permitiam a adoção de um modelo adaptativo de aprendizagem, respeitando os ritmos individuais de aprendizagem de cada aluno. O grande diferencial do modelo, no entanto, foi o desenho metodológico.

Propusemos uma metodologia flipped & blended, na qual os alunos estudavam em casa e, nos momentos presenciais, eram submetidos às metodologias ativas de aprendizagem, entre elas o Peer Instruction.

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Ou seja, os alunos estudavam, em média, entre 10 e 12 horas por semana, em casa ou no trabalho. Nos finais de semana, passavam entre 6 e 8 horas em um campus de uma das universidades do Grupo Aliat aplicando o conteúdo que estudaram por meio de situações problema e testes conceituais propostos pelos professores. A clássica inversão da sala de aula. Após um ano de projeto, estamos começando a medir os resultados – muito positivos.

Resultados

Na minha última ida ao México, há alguns meses, tive a oportunidade de acompanhar algumas atividades presenciais que aconteciam nas universidades durante os finais de semana. Lembro-me muito bem de chegar em um campus da UVG (uma das universidades do grupo, que fica no sul do país, no estado de Chiapas) em um domingo às 7:30 da manhã.

O campus estava lotado. Muitos alunos chegando para as aulas que iriam até 13h ou 14h. Depois disso, iam almoçar com suas famílias e aproveitavam o restante do domingo.

Conversei com dezenas desses alunos e também com vários professores (participei de 5 grupos focais) e os depoimentos foram surpreendentes.

O ensino híbrido caiu como uma luva no ensino superior mexicano.

Os alunos vêm apresentando altos índices de satisfação (NPS), aprendizagem e engajamento. Os professores relataram que o aproveitamento do tempo da aula está bem melhor e estão bem entusiasmados com a dinâmica da sala de aula invertida.

É importante ressaltar que a Aliat fez um significativo investimento na formação docente. Tive a oportunidade de participar dessas formações em quatro estados diferentes e todas elas foram transmitidas ao vivo para todas as universidades do grupo.

Este programa de formação foi mais uma das ricas experiências que vivi no México. E o retorno deste investimento em formação docente é claramente percebido em sala de aula.

Em um dos grupos focais dos quais participei, um aluno deu um depoimento que resume bem o sentimento da maioria dos estudantes matriculados nos cursos híbridos. Era um aluno de uns 25 anos de idade, trabalhador e pai de uma criança de um ano. Ele havia estudado durante um quadrimestre em uma universidade pública da região. Acabou migrando para uma universidade privada pela flexibilidade proporcionada pelo modelo híbrido.

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Após quatro meses matriculado no curso híbrido da UVG, ele percebeu que o que havia aprendido em apenas três aulas presenciais valeu mais do que tudo que viu durante os quatro meses na universidade pública. Isso porque, mesmo dedicando 20 horas de segunda a sexta-feira em uma instituição presencial, ele não tinha a oportunidade de aplicar na prática o conteúdo ministrado pelo professor.

Já nos momentos presenciais do modelo híbrido, 100% do tempo é dedicado a atividades hands on, de pura aplicação do conteúdo estudado online.

Ou seja, em apenas três aulas este aluno elaborou um balanço patrimonial (ele estava matriculado em um curso equivalente a Ciências Contábeis aqui no Brasil), oportunidade que ele não teve em quatro meses de estudos na universidade pública. Como este, ouvi diversos casos semelhantes.

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Lições mexicanas

O ensino híbrido no México vai de vento em popa. Ao mesmo tempo que os mexicanos consideram o ensino superior brasileiro bem mais avançado do que o deles, temos muito o que aprender com esta experiência híbrida na Aliat.

Algumas lições que eu trouxe na bagagem:

  • Culturalmente, México e Brasil são países muito parecidos e é muito provável que as boas práticas de lá possam ser replicadas aqui. Da mesma forma que levamos uma experiência inovadora e disruptiva para lá, temos muito o que aprender com eles.
  • Investimento em inovação tende a trazer bons resultados, tanto na qualidade quanto na eficiência operacional.
  • Não é necessário gastar rios de dinheiro para criar um modelo que concilia metodologias de ponta e tecnologia educacional. Algo simples, mas bem modelado, tende a funcionar muito bem.
  • Investir na formação de professores é fundamental. O Consórcio Sthem é um bom exemplo disso no Brasil.
  • Precisamos criar agências de acreditação aqui no Brasil. Estamos muito atrasados nisso. A Fimpes, que é a principal agência acreditadora do México, é uma grande referencia na qual podemos nos inspirar. Participei de reuniões com a imprensa, com o governo e com essas agências, que estão muito dispostas a colaborar.
  • No Brasil, o perfil dos alunos dos cursos noturnos é muito parecido com o perfil dos alunos matriculados nos cursos híbridos (segundo pesquisas da Educa Insights). É muito provável que nos próximos anos haja uma migração dos alunos matriculados em cursos presenciais noturnos para cursos híbridos. No México, já é assim. Aqui, é uma forte tendência. Quem não estiver atento a esse movimento, poderá ficar fora do jogo em muito pouco tempo.

Por fim, tive a oportunidade de conviver com pessoas extraordinárias, conhecer um povo acolhedor e humilde, que valoriza suas raízes e tem orgulho da sua cultura, que é um espetáculo à parte. Sem falar da fantástica culinária e dos lugares maravilhosos que não deixam de ser bons motivos para voltarmos lá.

Que venham mais projetos, mais colaboração entre os dois países e que possamos, cada vez mais, trocar experiências com países que possuem os mesmos desafios e a mesma vontade de acertar.

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Gustavo Hoffmann
Gustavo Hoffmann é diretor do Grupo A, membro do projeto SAGAH e do conselho editorial do portal Desafios da Educação, onde escreve mensalmente.

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