Ensino Básico

O papel da família no letramento e na alfabetização

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política nacional de alfabetização

Hora da leitura: MEC sugere aos pais que leiam e contem histórias aos filhos. Crédito: Freepik.

O artigo 3º do caderno da Política Nacional de Alfabetização (PNA), em que constam seus princípios, destaca a “centralidade do papel da família na alfabetização”. A palavra “família” e outras palavras derivadas, inclusive, aparecem 55 vezes no documento de 56 páginas, lançado em agosto pelo Ministério da Educação (MEC).

O caderno da PNA é um desdobramento do decreto de mesmo nome, assinado pelo presidente Jair Bolsonaro em abril. No decreto, a família já era reconhecida como um dos agentes do processo de alfabetização, aparecendo em todos os itens – das disposições gerais até a avaliação.

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A promoção de práticas de literacia familiar é considerada estratégica para a implementação da política. Segundo o Governo Federal, as atividades envolvem “um conjunto de práticas e experiências relacionadas com a linguagem, a leitura e a escrita, as quais a criança vivencia com seus pais e cuidadores”.

Essa é uma das apostas do MEC para atingir a meta 5 do Plano Nacional de Educação (PNE): alfabetizar todas as crianças no máximo até o final do 3º ano do ensino fundamental. Não se trata de tarefa fácil: segundo a última edição da Avaliação Nacional de Alfabetização, 54,73% dos alunos concluintes dessa etapa têm níveis insuficientes de leitura.

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Como a família pode contribuir  

O caderno da PNA cita o relatório Developing Early Literacy, do National Early Literacy Panel (NELP), publicado em 2009, para defender a centralidade da família no processo de alfabetização. Conforme o NELP, quanto maior o envolvimento dos pais na etapa da educação infantil, mais habilidades de leitura e escrita a criança vai adquirir.

A atual gestão do MEC considera as práticas familiares especialmente importantes até os 6 anos, ainda que o estímulo e o auxílio dos adultos devam prosseguir ao longo do processo de aprendizagem. A partir dessa perspectiva, o papel familiar começa antes de a criança ingressar no ensino formal.

Para a mestre em gestão educacional e CEO da plataforma de leitura Elefante Letrado, Mônica Timm de Carvalho, apontar para a necessidade de pensar a alfabetização já nos anos iniciais da educação infantil é uma novidade acertada da PNA.

“Muitos estudos mostram que a consciência fonológica precisa ser desenvolvida ainda na pré-alfabetização para que a criança já tenha esse background na hora de ser alfabetizada”, explica ela, ao Desafios da Educação.

Entre as atividades recomendadas estão a leitura em voz alta feita pelo adulto à criança, a contação de histórias, o manuseio de lápis e giz, o contato com livros ilustrados, os jogos com letras e palavras, além de brincadeiras sonoras com rimas e cantigas.

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Já nos anos iniciais do ensino fundamental, os pais passam a atuar em cooperação e integrados com a comunidade escolar.

“No convívio familiar se modela a linguagem oral da criança, e os estímulos que ela recebe em casa são importantíssimos nessa fase da vida em que se forma a base da arquitetura cerebral”, afirma um trecho do caderno do PNA sobre o assunto.

Outros benefícios cognitivos, citados no documento, são a ampliação do vocabulário, o desenvolvimento da compreensão oral, a introdução de padrões morfossintáticos, o despertar da imaginação e o gosto pela leitura. Além disso, há vantagens afetivas, como o estreitamento do vínculo familiar.

“A questão sociocultural tem um enorme impacto na aprendizagem, principalmente nos anos de alfabetização. Uma criança sem contato com a narrativa, com o mundo letrado, com a ficção, torna-se uma criança sem vocabulário e dificilmente vai se perguntar qual é o papel da escrita na sua vida. Por consequência, vai achar irrelevante aprender”, destaca Mônica Timm de Carvalho.

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Incentivo à educação domiciliar

Embora o papel da família na educação não seja essencialmente questionado, sua centralidade no processo de alfabetização, como proposto pelo MEC, levantou dúvidas em especialistas sobre as reais intenções do Governo Federal. Isso porque a educação domiciliar é uma das bandeiras do governo Bolsonaro, que vem buscando sua regularização.

“Não que a família não deva participar da escola, mas o modo como está sendo imposto é para permitir que se fortaleça a educação não formal, fora do ensino regular, público e gratuito”, afirmou em entrevista ao site Nova Escola a professora titular da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e presidente emérita da Associação Brasileira de Alfabetização (ABAlf), Maria do Rosário Longo Mortatti.

No dia da apresentação do PNA, a presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Cecília Mota, classificou como fundamental o papel da família na alfabetização. Mas ressaltou que o Brasil “é um país pobre onde muitos pais não leem ou não tem o hábito da leitura”.

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Políticas públicas

A PNA diz que até adultos analfabetos e de classes econômicas menos favorecidas, desde que orientados sobre isso, podem cumprir um papel decisivo por meio do manuseio de livros ilustrados e da contação de histórias.

Mas o documento não estabelece políticas públicas com esse fim. “Não adianta intenção sem ação prática. Deveria haver um cuidado especial em prover acesso à leitura para essas populações”, cobra Mônica Timm de Carvalho, da plataforma Elefante Letrado.

Ela diz que se abrir e manter bibliotecas em todos os cantos do Brasil é considerado muito caro, a solução pode estar na tecnologia. A premissa é que a maioria da população tem algum tipo de acesso à internet, o que possibilita o fornecimento de literatura através de dispositivos digitais.

“Podemos aproveitar esse gatilho da tecnologia para disponibilizar livros, mas ajudando a fazer curadoria de obras que valorizem o letramento na primeira infância. Pois as famílias muitas vezes não sabem o que oferecer a criança”, acrescenta.

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Com políticas públicas desse tipo, Mônica Timm de Carvalho diz que é possível aumentar a média de leitura de estudantes do 1º ao 5º ano – hoje, de apenas 3,4 livros por ano, segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil.

Escolas públicas e privadas que adotaram a plataforma digital da Elefante Letrado têm média de 34 livros lidos por criança anualmente.

“Não dá para perder de vista o impacto que as novas tecnologias podem trazer para esses leitores. Isso não significa a morte do livro físico. Se o novo leitor for fisgado, ele vai se tornar um frequentador de bibliotecas e vai consumir mais livros, jornais e revistas físicos”, completa.

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