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Luis Borges Gouveia: o que Brasil e Portugal têm em comum no ensino superior

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Depois de relatar desafios da EAD na Europa, a partir da perspectiva portuguesa, e de anunciar que o projeto que leva EAD às prisões de Portugal chegará ao Brasil, compartilho neste meu espaço no portal Desafios da Educação uma entrevista com o professor Luis Borges Gouveia.

Coordenador do doutorado em Ciência da Informação na Universidade Fernando Pessoa, em Porto, Portugal, Gouveia tem uma linha de pesquisa focada em sistemas, tecnologias e gestão da informação. Na entrevista a seguir, ele fala sobre sua experiência na IBM em preparação para a carreira docente e compartilha impressões a partir da possibilidade de oferecer mestrados e doutorados na modalidade EAD no Brasil, entre outros assuntos.

Ao fim da entrevista, eu volto para uma breve conclusão.

Luis Gouveia em palestra na Universidade Fernando Pessoa, em Porto, Portugal. Crédito: Universidade Fernando Pessoa/divulgação

Você trabalhou por 5 anos na IBM. Como essa experiência corporativa contribuiu para a docência? Iniciei a minha vida de professor universitário, vindo da indústria e oriundo do universo da IBM, onde realizei os primeiros passos profissionais após a finalização do meu curso de Informática, matemáticas aplicadas. A experiência de 5 anos sucederam-se já 25 anos como professor na universidade. Foi no entanto o suficiente para influenciar a forma como considerava o papel as tecnologias e do digital em contexto de sala de aula.

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Como isso aconteceu? Em 1995, verifiquei que o espaço de sala de aula quase não tinha a presença de meios digitais, nem o recurso a suportes que já se prometiam como potenciais auxiliares do processo de ensino e aprendizagem.

De um modo natural, foi tomando essa minha primeira experiência no sentido de contaminar a sala de aula com o recurso a plataformas digitais, a estender a sua dimensão espacial e temporal por via do digital (a Web surgiu por essa altura, em 1996) e criar meios de incluir o uso de portáteis que também se encontravam numa fase inicial de divulgação.

Você documentou essa experiência? Sim. Dois relatos desses tempos iniciais foram objeto de publicação, em que é discutida precisamente o papel que a sala de aula pode tomar num contexto mais digital (2002) e como o professor pode tirar partido do digital em sala de aula, estendo esta por meios digitais (1999), são eles: Is there any room for face-to-face teaching in a digital world? A proposed framework for web usage e Digital support for teachers teaching. Current experience on using Internet facilities in virtual university environments.

Assim, foi sendo uma preocupação constante, logo desde o início, como o digital pode ser tomado de forma adequada para auxiliar o papel do professor em sala de aula, modernizando esta e adaptando-a a um contexto bem diferente daquele em que a sala de aula se tornou o centro da escola.

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Em 2020 o Brasil autorizou programas de mestrado EAD com a promessa de aprovar doutorados em breve. Como coordenador de um programa de doutorado que recebe muitos alunos do Brasil, quais benefícios e pontos de atenção você destacaria para esta modalidade? O uso de programas de ensino a distância deve obedecer a estratégias alternativas em relação aos programas presenciais. O afastamento geográfico não deve coincidir com o afastamento de contato. Este deve ser regular e mediado por uma regulação que seja adequada para cada tipo de programa a implementar e garantir os controles de qualidade para os processos de ensino e aprendizagem que garantam os resultados de aprendizagem adequados.

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Na prática, tal significa que o relacionamento de trabalho entre quem aprende e quem ensina e entre os que aprendem – os diferentes alunos devem e tem de interagir e construir em comum os resultados da aprendizagem.

Como a EAD pode impactar as dissertações e teses? Num processo de mestrado ou doutorado, dissertações e teses tem de ser escritas num processo interativo de construção e não de submissão fechada de produtos acabados (sejam capítulos ou elementos do texto).

Nestes programas, parte da aprendizagem está associada com o processo, até porque esse processo constitui uma iniciação ou aprofundamento científico e que exige diálogo e reforço de práticas de investigação científica que se consolidam no aprofundamento do conhecimento. Logo, algo que exige uma construção interativa e resultante de esforços continuados.

As práticas pedagógicas associada ao ensino a distância tem de promover o relacionamento com o orientador e assegurar que a distância não é sinônimo de perda de contexto – esse deverá ser o foco para programas bem sucedidos de educação a distância: a orientação ao indivíduo. No entanto, tal não traz as promessas de minimização de custos, nem tão pouco de escala de serviço que muitas vezes é associada ao ensino a distância.

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Quais desafios da educação, em especial do ensino superior, você diria que Brasil e Portugal têm em comum? São muitos, desde logo, pelas semelhanças culturais que nos unem e, em especial, pela língua que é um patrimônio comum que devemos saber explorar e do qual temos mesmo de tirar partido, mesmo num contexto global – algo que estamos mesmo muito longe de o saber fazer.

As necessidades de capacitação dos recursos humanos e a necessidade de uma melhoria quer da qualificação, quer do fortalecimento cultural das pessoas, é algo que também une Brasil e Portugal, embora a uma escala diferente, os desafios são bem semelhantes, mais uma vez.

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O que Portugal pode ensinar ao Brasil? Diria que, nas tecnologias de informação e comunicação, a questão da informação pode ser uma contribuição de Portugal, cuja maior maturidade, associada a um sistema e sociedade que permite uma distribuição mais homogênea da componente cultural e científica, pode aportar ao lado do Brasil.

E o contrário: o que o Brasil pode ensinar a Portugal? A comunicação, a forma e postura brasileira tem muito a oferecer ao modo como em contexto de Portugal a Ciência e a informação são comunicadas (até pela dimensão continental do país, pela sua escala e diversidade, esse conhecimento é bem mais avançado).

A interação acaba por melhorar e potenciar as partes (brasileiros e portugueses), desde que encontrem valores que possam partilhar – a minha experiência é que existem, por se tratarem de pessoas afetivas, muito orientadas à família e com a cultura das reuniões em torno da mesa e o culto da comida, para citar características bem presentes em ambos.

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E no contexto do ensino superior: existem desafios que se colocam? Desde logo, a sua sustentabilidade. Não apenas econômica. Cada vez mais a questão tripla do econômico, do social e do ambiental se coloca em todo o tipo de organizações, em especial aquelas que são um dos pilares da sociedade tal como a conhecemos. Neste contexto, a discussão do que é e do que se pretende e como a financiar são aspetos centrais quer no contexto brasileiro, quer no de Portugal (arriscaria dizer em todo o mundo).

A forma como usamos e exploramos as tecnologias de informação e comunicação, dentro e em complemento da sala de aula; o incremento de meios de mediação automáticos, desde plataformas até ao uso de inteligência artificial; os limites para o uso de dados dos alunos e novas estratégias de ensino de aprendizagem, mas também de avaliação e como compartilhar conhecimento no século 21 são áreas em aberto.

Tudo isto, acrescentado à necessidade de mudar (a palavra mais adequada seria transformar) a forma como são dadas as aulas, incluindo tempos, estratégias, contextos, mesmo os conteúdos. Não é fácil, pois mesmo para questões básicas como usar ou não celulares em sala de aula, existe tanta polêmica – um bom indicador para a necessidade de aprofundarmos o nosso conhecimento.

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Mestrados e Doutorados EAD irão desenvolver pesquisas

Contribuindo com o que disse o professor Luis Gouveia, entendo que o Brasil terá grandes ganhos ao ofertar mestrados e doutorados na modalidade EAD, pois novamente estará proporcionando acesso a educação a profissionais que buscam se especializar e desenvolver pesquisas relevantes para as suas regiões e instituições de ensino superior (IES).

Mesmo atuando com EAD há mais de 10 anos e acreditando na força que a tecnologia tem de aproximar as pessoas e gerar conhecimento a maior preocupação, após concluir o intensivo presencial de um mês em Porto ponderei o seguinte: E agora, como será a condução da pesquisa, as orientações, os esclarecimentos das dúvidas?

Mesmo tendo um oceano nos separando, e por protocolo a exigência da presença física uma vez por ano, a presencialidade online é significativamente suprida através da tecnologia, seja por web conferences, chats e e-mails. A pesquisa evolui, o contato com os colegas permanece e o desafio de aprender e ensinar e se reinventar como professor e aluno se renova a cada dia.

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Daiana Rocha
Doutora em Ciências da Informação (Universidade Fernando Pessoa, em Portugal) e mestre em Educação (ULBRA), Daiana Rocha atua com educação a distância desde 2009. Começou a carreira na educação básica, passando pelas áreas de orientação educacional, profissional, gestão escolar e docência universitária. Na +A Educação, atuou como gerente de Produção de Conteúdo Digital e atualmente é Gerente Acadêmica liderando a implementação de projetos EAD em diversas empresas e instituições de ensino.

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    1 Comment

    1. A evolução tecnológica só pode ser considerada eficaz quando ela tem aplicação direta em um contexto prático, caso não usemos a tecnologia para melhorar o processo de ensino e aprendizagem em uma sala de aula invertida com uma lógica organizacional iterativa, adaptável e totalmente voltada para a meritocracia não poderemos disfrutar de tais ferramentas e isso trará prejuízos evolutivos para o país. Parabéns ao professor Gouveia por todos os trabalhos relevantes que têm e por sempre compartilhar seu conhecimento.

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