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Como o mercado de trabalho reconfigura o ensino superior

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Alunos de Engenharia de Controle e Automação da PUCPR aplicam a teoria em aulas práticas. Crédito: divulgação.

Há cerca de um ano, duas pesos-pesados da tecnologia mundial deixaram de exigir diploma em seus disputados processos de seleção de talentos. E a dispensa do canudo não chega a ser uma excentricidade de Google e Apple. A tendência tem tudo para se difundir no meio corporativo nos próximos anos.

A boa notícia é que, ao contrário do que sugere a lógica, as universidades não se tornarão dispensáveis. As chances de crescimento profissional, na verdade, seguirão andando lado a lado com o nível de escolaridade.

Prova disso é a oferta de emprego no mercado brasileiro: em 2016, houve queda de 10,6% no total de vagas disponíveis entre analfabetos, de acordo com o Ministério do Trabalho. Entre profissionais com ensino médio completo, houve baixa, mas três vezes menor, de 3%. Já quando a régua do emprego considera apenas aqueles que concluíram um curso de ensino superior, a variação foi positiva, com elevação de quase 1,5% na oferta.

A julgar por esses indicadores, fica claro que as empresas estão longe de abolir o diploma; elas apenas estão recrutando profissionais com competências que vão além da formação tradicional. “Cada vez mais, as empresas passarão a valorizar aspectos como resiliência, comunicação, sociabilidade, liderança e criatividade”, afirma Maurício Garcia, vice-presidente de Inovação e Ensino do Grupo Adtalem Educacional do Brasil, que conta com 18 instituições de ensino superior no Brasil.

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Garcia acredita que, dentro de um período de cinco a dez anos, as competências socioemocionais serão mais valorizadas do que as técnico-profissionais. Tanto é que, em algumas empresas, a predileção à inteligência e às capacidades emocionais estão permitindo ao profissional migrar da área de origem para executar funções em que demonstre habilidade natural – mesmo sem conhecimento técnico prévio.

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Essa nova dinâmica de trabalho está reconfigurando o mercado. Eis a razão pela qual muitas IES estão redesenhando suas matrizes curriculares, e oferecendo aos estudantes qualificação que transcende as disciplinas obrigatórias.

É o caso na Adtalem: ciente das transformações do mercado, a instituição decidiu levar atividades de formação de carreira ao centro dos projetos pedagógicos. “Os currículos passaram a contar com componentes obrigatórios de formação e todas as disciplinas, de alguma forma, devem apontar para essa questão”, explica Garcia.

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Sob essa perspectiva, o grupo está preparando, em parceria com a Udacity, um curso focado em temas como implantação de startups, marketing digital e desenvolvimento mobile.

Além disso, a Adtalem investiu em inteligência artificial (IA) e no uso de ferramentas tecnológicas. Entre elas, o machine learning e o sistema Integrees, uma plataforma exclusiva de aprendizagem e colaboração desenvolvida internamente. O recurso possibilita, por exemplo, que alunos respondam a questões expostas no quadro da sala de aula diretamente pela tela de seus smartphones.

Com esses e outros recursos, os professores têm conseguido elevar o engajamento dos estudantes. Prova de que essa orientação tem dado bons resultados está na média ponderada do Índice Geral de Cursos (IGC) das instituições Adtalem, que cresceu de maneira homogênea nos últimos anos. Quando se analisa os principais grupos educacionais que atuam no Brasil, a Adtalem aparece em primeiro lugar no ranking de dez cidades, sendo que o grupo tem operações em 12, de acordo com Garcia.

Expectativas e mudança de mindset

O desafio desse cenário é preparar o aluno para um mercado que ninguém sabe ao certo como será. “Em poucos anos, o mercado vai incorporar inovações que a gente sequer imagina, como um robô no Conselho de Administração de uma empresa ou realizando tarefas rotineiras da área do Direito”, afirma Beatriz Balena, pró-reitora de graduação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).

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A preocupação e as expectativas são compartilhadas por discentes, docentes, familiares e, claro, os próprios estudantes. Pelo menos 37% dos adultos temem que a tecnologia acabe por reduzir a oferta de trabalho. Outros 23%, no entanto, acreditam que esse impacto será positivo, ampliando as ofertas disponíveis – a partir do surgimento de novas atribuições. Os dados são da empresa de pesquisas Yougov, dos Estados Unidos, que ouviu quase 4 mil adultos – entre eles, mais de mil pais.

No Brasil, a expectativa é um pouco menos otimista. Um estudo do Pew Research Center, divulgado na Folha de São Paulo em setembro, indica que pelo menos oito em cada dez pessoas acreditam que a automação vai reduzir a quantidade de vagas nos próximos anos. Diante desse cenário, torna-se imperativo virar a chave e pensar em novas formas de conquistar a confiança de pais e de alunos.

Justamente por isso, a atuação da PUC-PR chama atenção. Em 2017, a IES paranaense encarou o desafio de criar uma grade curricular voltada à formação integral do ser humano. Ou seja, os alunos aprendem de maneira integrada sobre aspectos espirituais, sociais e culturais para atuar no mercado do futuro: um ambiente menos hierarquizado, em que poderão experimentar várias funções e carreiras.

A IES reviu suas matrizes e remodelou as disciplinas para criar um currículo modular e mais integrado a outros cursos. A ideia é permitir que o aluno percorra trilhas de aprendizado. Com isso, a maioria das disciplinas passou a abordar questões pertinentes a novas tecnologias e a mudanças da profissão.

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“Sabemos que muitas coisas vão mudar. Como resultado, as profissões vão ser ressignificadas, mas a empatia e a capacidade de se relacionar continuarão sendo habilidades profundamente humanas”, explica Beatriz. Por conta disso, a instituição busca formar os alunos não apenas para saber fazer, mas para saber ser e saber agir.

Entre as novidades incorporadas pela PUCPR está a preparação dos alunos em atividades que deverão ser comuns nos próximos anos, como curadoria de memórias pessoais, cuidados com a terceira idade e direito ético das relações entre homem e máquinas. Para dar conta do recado, os docentes podem participar de pelo menos quatro oficinas de inovação acadêmica por ano, além de oficinas de preparação de aula. “Nesse ínterim, o professor confere a função de protagonista ao estudante, atuando agora como um mentor que estimula, instiga e provoca”, resume Beatriz.

O resultado desse processo é uma metodologia que garante o desenvolvimento de habilidades da mais alta ordem cognitiva, como as capacidades de avaliação, julgamento e análise. A PUCPR ainda conta com o Portal da Empregabilidade – um espaço com dicas, cadastro de currículo e diagnóstico de carreira. Desse modo, a IES tem se preparado para a missão de formar profissionais que, a partir da experiência acadêmica, sejam capazes de elaborar respostas pra situações e problemas ainda totalmente desconhecidos.

Confira a série Educação e trabalho

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