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Precisamos revisar o ensino remoto

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Gustavo Hoffmann defende uma revisão do ensino remoto em 2021. Créditos: Unsplash.

Gustavo Hoffmann defende uma revisão do ensino remoto em 2021. Créditos: Unsplash.

O texto abaixo faz parte do especial “Tendências para a educação em 2021“, publicado pelo portal Desafios da Educação. No artigo, Gustavo Hoffmann defende uma revisão do ensino remoto em 2021 – quebrar a passividade dos alunos com tecnologias e metodologias que os coloquem em um papel mais ativo no processo de aprendizagem.


Em março deste ano, quando fomos forçados a restringir a presencialidade para garantir a segurança durante a atual pandemia, apenas as instituições de ensino superior familiarizadas com modelos híbridos – ou que utilizavam a tecnologia educacional em escala e já vinham trabalhando no processo de transformação digital – conseguiram virar a chave imediatamente.

Algumas IES demoraram um pouco mais. E houve aquelas que acreditavam que a restrição duraria pouco, preferindo aguardar o retorno presencial para dar continuidade às atividades acadêmicas. Com o passar do tempo, e com uma clareza maior da complexidade da situação, o que era emergencial e passageiro passou a demandar planejamento, formação docente e investimento em recursos tecnológicos.

Aprendemos e evoluímos muito nesses últimos nove meses de 2020. Mas nosso modelo de ensino remoto está longe de ser o mais adequado para o contexto em que vivemos, ao mesmo tempo que uma retomada do modelo presencial tradicional, como era antes, seria um grande retrocesso, considerando toda a transformação tecnológica e cultural que sofremos ao longo do ano.

Leia mais: Gestores compartilham o que as faculdades brasileiras aprenderam com o coronavírus

Por que o modelo de ensino remoto que vem sendo adotado em larga escala está longe de ser o mais adequado para 2021? Simplesmente porque estamos reproduzindo em um ambiente tecnológico o obsoleto modelo presencial, fortemente instrucional e predominantemente expositivo.

Estamos utilizando os ambientes virtuais de aprendizagem (AVA ou LMS, na sigla em inglês) quase exclusivamente para a realização de aulas expositivas online. Isso não funciona em uma sala de aula física, tampouco em um ambiente online.

Uma pesquisa recente do Instituto Semesp aponta que os alunos não suportarão esse modelo remoto instrucional por muito mais tempo.

Não faz sentido algum um aluno passar 3 ou 4 horas por dia na tela de um computador ouvindo um professor falar. É perda de tempo e um grande exercício de paciência.

Dias atrás, o Ministério da Educação anunciou para 1º de março de 2021 o retorno às aulas presenciais no sistema federal de ensino superior – o que inclui universidades, institutos federais e faculdades privadas. Mas, e se a restrição da presencialidade se mantiver, o que fazer?

Deveríamos utilizar os momentos síncronos não somente para a exposição de conteúdo, mas sobretudo para sua aplicação. Ferramentas simples como Breakout Rooms e Polls permitem a aplicação de metodologias ativas de aprendizagem em um ambiente 100% online, com alto nível de engajamento, satisfação e, consequentemente, de aprendizagem.

Deveríamos quebrar a passividade dos alunos com metodologias que os colocassem em um papel mais ativo desse processo de aprendizagem.

Gustavo Hoffmann.

Já temos tecnologia e metodologias para promovermos essa quebra. Tenho acompanhado várias escolas e IES que estão adotando esse modelo e os resultados tem sido extraordinários. Já existem evidências que suportam essa prática e experiências muito bem sucedidas aqui no Brasil e em outros países.

Temos que ajustar imediatamente nosso modelo de ensino remoto.

Leia mais: Educação continuada e EAD: uma união perfeita no pós-pandemia

E quando a presencialidade voltar?

Bom, em primeiro lugar, é muito importante admitirmos que esse retorno provavelmente será gradual, como já vem sendo feito em alguns estados e em outros países. E aí eu vejo outro problema em relação à utilização de tecnologia educacional.

Várias instituições de ensino estão investindo fortemente em tecnologia de ponta para equipar as salas de aula com equipamentos de teleconferência, que permitam transmissão da aula ao vivo para alunos que não puderem estar presentes. Por exemplo, se a presencialidade estiver restrita a um terço dos alunos, dois terços ficam em casa assistindo às aulas de forma remota. Um sistema de rodízio garante que ao longo da semana cada grupo possa estar presencialmente pelo menos em um dia.

Ora, mais uma vez estamos reproduzindo um modelo essencialmente expositivo, que não é o mais eficaz quando se trata de aprendizagem e desenvolvimento de competências aderentes à realidade do século 21. E, além disso, custa muito caro, pois equipar as salas de aula com dispositivos que permitam a transmissão ao vivo com qualidade requer um enorme investimento.

Leia mais: A sala de aula do futuro é digital

Qual asseria a solução? Durante a restrição parcial de presencialidade, deveríamos adotar um modelo verdadeiramente híbrido.

A presencialidade restrita, com grupos menores, cria um cenário ideal para a invertermos a sala de aula. Os alunos que estão em casa podem utilizar boa parte do tempo para estudar de forma assíncrona, cada um no seu próprio ritmo. Parte do tempo poderia ser utilizado para momentos síncronos, de forma remota, não somente para exposição do conteúdo, mas também para sua aplicação.

E os momentos presenciais, tão aguardados e restritos, deveriam ser utilizados para algo que realmente faça a diferença. E a diferença está na aplicação do conteúdo, com atividades “hands on”, prevendo o uso de metodologias que coloquem o aluno em posição mais ativa, que são favorecidas pela formação de grupos menores, de tal forma que cada aluno possa receber uma atenção mais individualizada do professor.

Uma mera exposição de conteúdo poderia ser feita para 10 ou para 100 alunos, com resultados de aprendizagem muito parecidos. Já uma metodologia que preveja uma atenção individualizada é altamente beneficiada pela adoção de grupos menores.

Acesso ao conteúdo acontece em casa, aplicação do conteúdo acontece na escola, por isso o termo sala de aula invertida. Deveríamos caminhar para esse modelo durante a restrição parcial da presencialidade.

Leia mais: Por que o modelo educacional não será mais o mesmo depois da covid-19

Ensino remoto em 2021: durante a restrição parcial de presencialidade, deveríamos adotar um modelo verdadeiramente híbrido. Afirma o  autor. 

Ensino remoto em 2021: durante a restrição parcial de presencialidade, deveríamos adotar um modelo verdadeiramente híbrido. Afirma o Hoffmann.

E quando não houver mais restrição presencial? Não tenho uma bola de cristal e não saberia dizer quando isso acontecerá, mas estou convicto de que teremos um modelo educacional bem diferente do que tínhamos, como escrevi em meu último artigo. Sem dúvida, algumas tendências estarão contempladas nesse novo modelo, seja ele qual for e quando for.

Teremos um modelo mais híbrido, com sala de aula invertida, com mais tecnologia aportada nos modelos presenciais e mais presencialidade ou interatividade aportada nos modelos de educação a distância.

Aliás, é muito provável que esta distinção entre EAD e presencial deva acabar nos próximos anos, inclusive do ponto de vista regulatório.

Estamos caminhando para um modelo híbrido, no qual a tecnologia será um importante meio catalizador do processo de aprendizagem. Tecnologia não é pedagogia nem andragogia, mas se bem utilizada pode catalisar a transformação que tanto precisamos.

Teremos um modelo “less teaching, more learning”, em que mais importante do que as horas que o aluno passa sentado em sala de aula ouvindo um professor é o que ele de fato faz durante essa aula. Metodologias que coloquem o aluno em uma posição mais ativa funcionam bem melhor do que um modelo predominantemente expositivo.

Além da mudança metodológica, é fundamental que revisitemos nossos currículos como um todo, buscando formar nossos alunos com competências mais adequadas à realidade do setor produtivo e do mundo real (currículo por competências). Reforçar o desenvolvimento das soft skills é apenas um dos caminhos. Ainda existe um abismo entre academia e setor produtivo e isso não é bom para a sociedade.

Por fim, é importante revisarmos nossos modelos de avaliação. Uma avaliação mais processual, via portfolios, que meça o desenvolvimento de competências e que ofereça microcertificações, com utilização de badges, por exemplo, parece fazer mais sentido do que provas de múltipla escolha e um exame final.

O que nos trouxe até aqui não é o que nos levará adiante. Esta pandemia veio para resetar nosso modelo educacional. Seria um grande desperdício se não utilizássemos todo esse aprendizado para promover uma disruptura no nosso sistema. Que venha 2021!

Confira o especial “Tendências para a educação em 2021” 

Leia outras reportagens especiais do Desafios da Educação.

Gustavo Hoffmann
Gustavo Hoffmann é diretor do Grupo A, membro do projeto SAGAH e do conselho editorial do portal Desafios da Educação, onde escreve mensalmente.

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    1 Comment

    1. Bom dia, Gustavo.

      Precisamos melhorar muito, principalmente o EAD.

      Que infelizmente torno-se uma ferramenta comercial.

      Abraço.

      Valmir.

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