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Pós-pandemia: como reabrir as escolas

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Países realizam reabertura das escolas. Crédito: CNA/Reprodução.

Países realizam reabertura das escolas. Crédito: CNA/Reprodução.

Uma equipe com doze profissionais paramentados aguarda no portão de entrada. Conforme os alunos chegam à escola, formam filas com distanciamento de 1,5 metro. Um a um, são identificados e têm as temperaturas corporais medidas. Quem está com suspeita de febre é imediatamente enviado para casa. Os demais ingressam nas dependências do colégio.

Enquanto as mochilas são sanitizadas, os estudantes lavam as mãos. Depois, passam por tapetes que desinfetam os sapatos. Ao chegar na sala de aula, cada um se acomoda em carteiras que também respeitam a distância mínima de um metro e meio. As janelas estão abertas.

Todos os alunos usam máscaras. Elas precisam ser trocadas a cada duas horas, a depender da idade da criança e das atividades do dia. Um aluno que passa dois turnos na escola pode precisar de até 6 máscaras por dia. A lavagem das mãos também acontece com a frequência de duas horas, sob supervisão de professores e funcionários.

Os ambientes – pátio, biblioteca, banheiros, laboratórios, refeitórios – estão demarcados para respeitar o distanciamento e são higienizados frequentemente. Nada de aglomerações. As séries voltam em horários e dias escalonados, limitando a circulação de pessoas na área externa e no interior da escola. No intervalo, mesmo após meses sem encontrar os colegas, nada de abraços ou qualquer contato muito próximo.

Na verdade, alguns colegas talvez nem voltem às aulas. É que aqueles com alguma doença que os inclua no grupo de risco para o novo coronavírus continuam no ensino remoto. Mães e pais inseguros, com medo que um filho possa se tornar um vetor ou se infectar com o vírus, possivelmente poderão mantê-lo estudando em casa pela internet.

O cenário descrito acima não é fictício. Eles fazem parte dos protocolos de higiene que serão adotados em breve pelo Colégio Israelita Brasileiro, em Porto Alegre (RS).

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Novos parâmetros sanitários. Arte: Revista Pesquisa Fapesp.

O Brasil ainda não retomou as atividades escolares presenciais. Mas em países da Ásia, da Oceania e da Europa, a reabertura das escolas começou de forma tímida ainda no mês de maio. Esses pioneiros criaram protocolos a partir de diretrizes de órgãos internacionais e contextos locais.

Aqui, gestores da área da educação, profissionais da saúde e governos ainda definem esses protocolos para o retorno das aulas presenciais. Afinal, não bastam só cuidados sanitários. É preciso realizar uma avaliação diagnóstica para verificar os diferentes estágios de aprendizagem em que os alunos se encontram, adequar planos pedagógicos e acompanhar possíveis efeitos psicológicos decorrentes do isolamento e da quarentena.

A seguir, o portal Desafios da Educação se debruça entre o sentimento de alívio e aflição: quando e como fazer a reabertura das escolas em meio à pandemia?

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Primeiro dia de reabertura das escolas na França. Crédito: Euronews/Divulgação.

Primeiro dia de reabertura das escolas na França. Crédito: Euronews/Divulgação.

Os exemplos do exterior

No pico mundial da crise, em meados de abril, mais de 1,5 bilhão de alunos, em 195 estados membros da Organização das Nações Unidos (ONU), foram afetados pelo fechamento de escolas, segundo a Unesco. Isso significa que mais de 90% dos estudantes em todo o mundo tiveram seus estudos afetados pelo avanço do novo coronavírus.

Até maio, 400 milhões de alunos haviam retornado às atividades presenciais em 42 países. Caso mais bem-sucedido de combate à covid-19, doença causada pelo vírus, a Nova Zelândia retomou as aulas gradativamente após zerar o contágio. Na Europa e países asiáticos, o movimento é mais cauteloso, conforme a situação de propagação do coronavírus.

A ONU recomenda um retorno gradual, começando em áreas com menores taxas de transmissão e menor risco localizado. Além disso, sugere que os países desenvolvam um modelo de decisão para fechar e reabrir escolas de acordo com a necessidade. No Brasil, um país de dimensões continentais, é impossível cravar uma data de reabertura em todo o território.

“Logicamente, a reabertura precisa ser customizada. A capacidade do sistema de saúde e a possibilidade de incremento do número de casos locais, por exemplo, devem entrar no cálculo. Mesmo assim, é possível que tenhamos idas e voltas”, projeta o presidente do departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), doutor Renato Kfouri.

Renato Kfouri.

Foi o que aconteceu na França. O país foi dividido em duas zonas: a verde, onde a pandemia está mais controlada e há menos risco de contaminação, e a vermelha, onde o risco de contágio é alto. No dia 11 de maio, os franceses retornaram às escolas apenas na zona verde, primeiro pela educação infantil e, na sequência, pelo ensino fundamental. Menos de 10 dias depois, mais de 70 escolas voltaram a fechar devido a casos de contaminação entre funcionários.

Na Coreia do Sul, o governo foi obrigado a adiar a reabertura das 800 escolas devido a novos surtos de covid-19. Além de novas ondas de propagação, o comportamento da doença em crianças gera incertezas. Embora se saiba que elas são menos afetadas gravemente, seu papel no ciclo de transmissão ainda está pouco claro.

Especificidades do contexto brasileiro tornam o cenário mais nebuloso. “Existem modelos sendo experimentados, mas não em um país como o nosso, com mais de 200 milhões de habitantes, ainda em um cenário de circulação do vírus. Não há experiências que reproduzam algo semelhante ao que vai acontecer aqui no Brasil”, afirma Kfouri.

Na manhã de sexta-feira, 5 de maio, eram 34.021 pessoas mortas em razão do novo coronavírus no Brasil. Só no dia anterior foram 1.473 óbitos, o que significa um morto pelo vírus por minuto no país.

Leia mais: As orientações do MEC para escolas e faculdades na pandemia

Frente regional

O Conselho Nacional de Secretários da Educação (Consed) criou uma frente de trabalho sobre a retomada das aulas presenciais. Um dos movimentos mais contundentes foi o do Rio Grande do Sul, onde uma volta escalonada ao ensino presencial, começando por cursos livres, técnicos e de ensino superior que exigem atividades práticas e laboratoriais, está prevista para 15 de junho. A abertura será estendida aos demais alunos gaúchos em 1º de julho – no início do inverno.

A retomada gaúcha (o que inclui a do Colégio Israelita, citado no começo da reportagem), no entanto, depende de análise de propagação do vírus e da circulação de pessoas no mês de junho.

O Espírito Santo avalia voltar em julho ou agosto, começando pelo Ensino Médio – a exemplo de Portugal, que retomou as aulas pelo colegial. O estado de São Paulo prevê a retomada nas redes pública e privada apenas em agosto. No Rio de Janeiro, o prefeito da capital, Marcelo Crivella, divulgou uma possível abertura em julho, mas foi questionado por especialistas e pelo Sindicato dos Profissionais da Educação, que não vê condições para voltar antes de setembro.

Após meses de aulas suspensas, as escolas projetam planos de reabertura. Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil.

Após meses de aulas suspensas, as escolas projetam planos de reabertura. Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil.

Em meio a tantas incertezas, pais, mães e responsáveis estão voltando ao trabalho. E a reabertura da economia pressiona a volta das escolas, já que muitos não têm com quem deixar os filhos.

Ainda há o risco de evasão, pois quanto mais tempo uma criança passa fora da escola, maior a probabilidade de ela não voltar. Em áreas socialmente vulneráveis, o fechamento prolongado interrompeu serviços essenciais, como a merenda escolar.

Por isso, em um documento com recomendações sobre quando reabrir escolas, a ONU destaca a importância de se observar também as implicações socioeconômicas, o nível de acesso à educação remota, as condições de transporte, a capacidade de autoridades, instituições e professores de mitigar riscos e implementar medidas de prevenção, entre outros pontos.

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Como voltar?

Como destacou recentemente a diretora geral da Unesco, Audrey Azoulay, “a decisão de reabrir uma escola está longe de ser simples, mas deve ser uma prioridade”. Mas como?

Além da Unesco e do Banco Mundial, organizações nacionais, como o Todos pela Educação e a SPB, e internacionais como a União Americana dos Professores, a Associação Americana de Pediatria e o Learning Policy Institute divulgaram estudos, protocolos e outras diretrizes para contribuir com o debate público sobre a reabertura de escolas e faculdades.

Algumas lições, entretanto, parecem ser consenso. A análise dos contextos regionais e a necessidade de volta gradual e escalonada são exemplos disso.

Um retorno escalonado significa que inicialmente a abertura da escola será limitada a alguns dias da semana e a determinadas séries ou níveis de ensino, com horários de entrada, intervalos, uso de refeitório e saída diferentes entre as turmas.

No Vietnã, 22 milhões de alunos voltaram à escola após a reabertura. Crédito: CNA/Reprodução.

No Vietnã, 22 milhões de alunos voltaram à escola após a reabertura. Crédito: CNA/Reprodução.

No Brasil, o Rio Grande do Sul planeja começar pela educação infantil, assim como fizeram a França, a Noruega e a Dinamarca. Essa escolha é explicada pela necessidade dos menores não ficarem sozinhos em casa conforme seus pais voltam ao trabalho. Por outro lado, estados como Minas Gerais e Ceará, que ainda não definiram datas, devem priorizar o terceiro ano do Ensino Médio, por causa do Enem – adiado em razão da pandemia.

Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, o vice-presidente do Consed e secretário de Educação de Pernambuco, Fred Amâncio, afirmou que é praticamente unanimidade o “retorno pelas pontas” – educação infantil e terceiros anos. Na sequência, viriam as turmas de fim de ciclo, como o nono ano do ensino fundamental.

A adoção de um modelo híbrido, que combina a educação a distância com o ensino presencial, entra no jogo para dar conta de uma operação em horários parciais e adaptados. O ensino híbrido também é incentivado para que as instituições estejam preparadas para possíveis fechamentos e para atender alunos com comorbidades que impeçam sua volta imediata.

Leia mais: Peter Diamandis: “A pandemia vai acelerar a educação personalizada”

Do ponto de vista sanitário, os protocolos devem detalhar medidas de higiene, a disponibilização de estações para lavagem frequente das mãos, a promoção de uma etiqueta respiratória, o uso de equipamentos de proteção e procedimentos de limpeza das instalações, entre outros pontos, conforme descrito na abertura deste texto.

Cabe a escola comunicar os procedimentos e informações sobre a covid-19 de forma ampla e clara para funcionários e alunos de todas as idades. Técnicos administrativos, equipe de limpeza e professores precisam ser treinados na implementação das práticas de higiene e de distanciamento físico.

Na Alemanha, turmas foram reduzidas à metade. Os corredores são vias de mão única e, em algumas regiões, os alunos foram amplamente testados (para saber se estavam infectados). No Brasil, a testagem em massa de alunos está fora de cogitação. Segundo o dr. Kfouri, da SBP, há pouca oferta de testes no país. A prioridade são profissionais da saúde, pessoas com sintomas e grupos de risco.

Cuidados pedagógicos e mentais

Retomar a rotina escolar durante a pandemia requer mais do que cuidados sanitários. A reprodução de restrições de contato social dentro do ambiente escolar pode acarretar impactos no estado emocional dos alunos, que é considerado um dos motores da aprendizagem.

A orientação é que as estratégias de volta às aulas presenciais sejam construídas com apoio de outras áreas, como a psicologia. A psicopedagoga Yasmini Sperafico alerta para a necessidade de uma atenção especial aos mais novos:

“A necessidade de distanciamento pode trazer consequências para o processo cognitivo das crianças. Especialmente na educação infantil, o contato mais próximo é importante na construção de vínculos entre o professor e o aluno e no processo de aprendizagem das crianças.”

Atento a esse cenário, o colégio Israelita Brasileiro trabalha em seu plano de retorno às aulas desde maio. Um comitê interdisciplinar de especialistas foi montado para definir 16 protocolos de ação a partir de uma ampla pesquisa de experiências internacionais.

A ênfase do projeto pedagógico de retorno é a nova realidade de socialização que os alunos vão encontrar. Para isso, as atividades serão baseadas em competências presentes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) como conhecimento e autocuidado, empatia e cooperação e responsabilidade e cidadania.

“Qual é o impacto que o isolamento social teve sobre crianças e adolescentes? Isso precisa ser levado em conta. Não dá para jogá-los dentro da sala e fingir que não aconteceu nada”, afirma Janio Alves, diretor-geral do colégio Israelita.

Leia mais: O que vem por aí: a educação depois da primeira onda da pandemia

A Dinamarca foi o primeiro país da Europa a iniciarem a reabertura das escolas. Crédito: Euronews/Reprodução.

A Dinamarca foi o primeiro país da Europa a iniciar a reabertura das escolas. Crédito: Euronews/Reprodução.

A volta às aulas ao redor do mundo

Nova Zelândia: país mais bem-sucedido no controle do coronavírus, onde 800 mil estudantes voltaram às escolas no dia 18 de maio. Estabeleceu horários diferentes de entrada, intervalo e saída.

França: abriu 40 mil escolas no início de maio, com prioridade para a educação infantil. Uma semana depois, 70 foram fechadas devido ao registro de casos de coronavírus. O Ministério da Educação estabeleceu quais produtos utilizar para desinfectar frequentemente o piso, maçanetas, sanitários e interruptores.

Dinamarca: primeiro país a voltar às aulas na Europa, deu preferência para a educação infantil. Bibliotecas permaneceram fechadas, brincadeiras no intervalo ficaram restritas a pequenos grupos, pontos para lavagem das mãos foram instalados e as carteiras respeitam um distanciamento mínimo.

Alemanha: turmas foram reduzidas pela metade, corredores se tornaram vias de mão única, intervalos foram escalonados, portas e janelas permanecem abertas para garantir a ventilação. Chegou a realizar teste para detecção de Covid-19 em alunos de algumas regiões do país.

Portugal: retomou as aulas no dia 18 de maio para 200 mil alunos dos dois últimos anos do Ensino Médio e, em seguida, para a educação infantil. Uso de máscara é obrigatório, assim como a lavagem das mãos ao entrar e sair da escola. As turmas têm horários de aula, intervalos e períodos de alimentação diferentes.

China: o ensino médio voltou primeiro, no mês de abril. Os alunos passam por tendas de desinfecção instaladas na entrada das escolas e têm a temperatura corporal checada sistematicamente. O uso de máscaras é obrigatório.

Coreia do Sul: assim como a França, foi obrigada a fechar escolas e adiar a abertura de outras devido a novos surtos de propagação do coronavírus. Instalou paredes acrílicas nas carteiras. Na capital, Seul, as turmas do jardim de infância ao ensino médio podem receber apenas um aluno em cada três. Os demais seguem no ensino a distância.

Leia mais: E se convertermos escolas e universidades em “centros seguros de aprendizagem online”?


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2 Comments

  1. Muito bom o comentário, de grande valia, trouxe uma gama de informações importantes. Muito produtivo e sugestivo, não fugiu da realidade. Um texto claro de fácil entendimento. Parabéns para toda equipe.

  2. A pós-pandemia demorará anos a chegar. Por enquanto estamos em pandemia. Deveriam todos ficar em casa, mas o brasileiro adora ouvir falar sobre mortes.

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