MEC estuda banir celulares nas escolas: especialistas discutem eficácia

Redação • 4 de outubro de 2024

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    O uso do celular em sala de aula pode estar com os dias contados. É que o Ministério da Educação (MEC) prepara um novo projeto de lei para banir a entrada do apare lho em escolas públicas e privadas . Só haverá liberação quando os smartphones forem considerados úteis para o aprendizado.

    Atualmente, 20 estados possuem leis similares. Apenas 12% de suas escolas, entretanto, declararam adotar a medida de fato, conforme a pesquisa TIC Educação 2023 , do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).

    Segundo a pasta, o objetivo é proporcionar segurança jurídica para estados e municípios que já discutiam a proibição.

    Para Fernando Trevisani , professor e especialista em metodologias ativas, a utilização do celular não é necessariamente um problema — sobretudo quando há limitações de conectividade, como internet instável e falta de equipamentos modernos. O desafio é garantir que essa utilização tenha um propósito bem definido. A solução, aponta Trevisani, passa pelo investimento na formação de educadores. Afinal, sem essa capacitação, fica mais difícil aproveitar todo o potencial das tecnologias digitais.

    De acordo com um relatório da Unesco de 2023 , somente a metade dos países têm padrões de desenvolvimento de habilidades em TIC para professores. Como resultado , a busca por novas maneiras de explorar os recursos educacionais digitais depende da iniciativa do professor. “Os alunos continuarão usando o celular em casa. Demonstrar que ele pode ser uma ferramenta educativa é uma oportunidade que não deveria ser desperdiçada”, avalia.

    Essa visão se confronta com a perspectiva do psicólogo Cristiano Nabuco, pioneiro no estudo da dependência tecnológica dos brasileiros. Para ele, a proibição pode trazer benefícios para o desempenho, mas sobretudo para a saúde mental dos alunos.

    Assim como ocorre com a dependência química, existe também a dependência comportamental. No uso patológico da internet e do celular, embora não haja ingestão de substâncias, os efeitos e a dependência observados são bastante semelhantes”, afirma. “ Infelizmente, estamos vendo um número crescente de crianças afetadas por essa condição.”

    Cartilha de uso inteligente

    A Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom), em parceria com o Instituto Alana e a embaixada do Reino Unido, conduziu 12 encontros entre junho e setembro de 2024 para escutar crianças, adolescentes, familiares e educadores sobre o uso de telas e dispositivos digitais. 

    Essas reuniões, que somaram 114 participantes de 43 cidades, contribuíram para a elaboração do Guia para uso consciente de telas e dispositivos digitais . Elaborado com base nas melhores práticas internacionais, o material visa conscientizar a população sobre os riscos e as oportunidades do ambiente digital.

    A cartilha está sob coordenação da Secom, mas foi elaborada com o auxílio de outras pastas, incluindo MEC, Ministério da Justiça e Segurança Pública e Ministério da Saúde.

    A expectativa é que o compêndio venha à público no dia 12 de outubro, em comemoração ao Dia das Crianças.

    Experiências no Brasil

    A Prefeitura do Rio de Janeiro foi a primeira a impedir o uso de celulares nas escolas da rede municipal. Conforme decreto assinado pelo prefeito Eduardo Paes (PSD-RJ) em 2 de fevereiro, os aparelhos podem ser utilizados apenas antes da primeira aula e após a última, exceto em casos especiais.

    Desde agosto de 2023, os alunos já não podiam usar os aparelhos dentro das salas. Com o novo decreto, fica proibido também o uso fora, quando houver explanação do professor e/ou realização de trabalhos individuais ou em grupo na unidade escolar e durante os intervalos, incluindo o recreio.

    A decisão é fruto de uma consulta pública , promovida pela Secretaria de Educação entre dezembro de 2023 e janeiro de 2024, com mais de 10 mil respostas. De acordo com o levantamento, 83% são favoráveis à proibição do uso do aparelho, 11% parcialmente favoráveis e 6% contrários.

    Em entrevista à CNN , o secretário de Educação do Rio de Janeiro, Renan Ferreirinha, afirmou que a proibição de celulares nas escolas aumentou o foco, a concentração e até mesmo a interação entre os alunos.

    “A escola não é só local de aprendizagem, obviamente isso é muito importante, aprender português, aprender matemática, mas também é muito importante interagir com os amigos, socializar, ter o recreio, ter o intervalo, funcionando da melhor forma possível”, ressaltou o secretário.

    Uma pesquisa inédita da Secretaria de Educação do Rio de Janeiro, divulgada com exclusividade à CNN, confirma que o corte dos celulares nas escolas tem reflexos diretos na aprendizagem e concentração dos alunos.

    Para estudantes do 9° ano, na matéria de matemática, por exemplo, a chance do aluno estar no nível adequado é 53% maior em escolas sem celular . A pesquisa mostra também uma redução significativa de episódios de cyberbullying praticados nos horários de intervalo.

    Apesar da proibição, os professores podem propor a utilização dos celulares e dispositivos eletrônicos para fins pedagógicos, como pesquisas, leituras ou acesso a outros materiais educativos.

    Em São Paulo, o mesmo projeto avança na Assembleia Legislativa. Roraima, Distrito Federal, Rio Grande do Sul, Maranhão e Tocantins também já restringem o uso na escola.

    Preocupação mundial

    O Brasil não está sozinho na tentativa de limitar o uso de celulares nas escolas. Em junho, a Unesco recomendou que as nações adotassem o veto total. Entre os países que anunciaram a restrição estão Espanha, Grécia, Finlândia, Holanda, Suíça e México. A Itália foi pioneira nas proibições de celulares nas escolas, em 2007.


    Países que conseguiram contornar a resistência dos alunos em entregar seus aparelhos, como a Finlândia, investiram em programas de educação digital. “Proibir é a solução mais fácil. O verdadeiro desafio é criar um esforço coordenado entre governo, escolas e famílias para promover o uso responsável”, afirma Trevisani. “Até quando vamos adiar a necessidade de educar essa nova geração?”

    Problemas de toda sorte

    Até pouco tempo atrás, o recreio era um momento de correria pelo pátio, brincadeiras de pega-pega e conversas entre amigos. Hoje, muitos alunos se veem isolados das áreas externas, imersos nas telas dos celulares. Essa mudança, sem que percebam, os expõe a uma epidemia de transtornos mentais.

    I sso tem a ver com a maturação cerebral: até os 25 anos, o cérebro humano passa por uma transformação contínua, moldando-se com base nas experiências e estímulos recebidos. Nesse período, o uso excessivo de telas pode afetar o órgão. As consequências desse hábito podem se estender até a vida adulta, influenciando a maneira como interagimos com o mundo

    “Hoje, sabe-se que o uso [do celular] é mais prejudicial do que benéfico. O neurocientista francês Michel Desmurget demonstra uma relação direta entre o tempo de tela recreativa e o surgimento de distúrbios de atenção. Embora esse fator não seja o único responsável, tem um efeito significativo”, explica Nabuco.

    De volta ao básico

    No livro A geração ansiosa , o psicólogo social Jonathan Haidt, que estudou durante décadas o colapso da saúde mental entre os jovens, defende uma infância longe das telas. Ele demonstra os malefícios da hiperconectividade e correlaciona o uso excessivo da tecnologia com alterações no desenvolvimento social e neurológico.

    Segundo o autor, o cérebro humano, especialmente o córtex pré-frontal, responsável por funções como controle de impulsos e tomada de decisões, só atinge total maturidade entre os 25 e 30 anos. Durante a adolescência, essa imaturidade torna os jovens mais vulneráveis a estímulos de prazer obtidos em redes sociais. Curtidas e compartilhamentos ativam circuitos de recompensa, criando um ciclo vicioso de busca por aprovação.

    Isso explica a dificuldade em se afastar das telas e como críticas ou rejeições online podem impactar o bem-estar emocional. O uso constante do celular está integrado à vida social dos jovens, tornando mais difícil para eles estabelecer limites. “Não adianta tentar ensinar uma criança a se controlar sozinha diante das telas, pois, biologicamente, elas não possuem essa capacidade , diz Cristiano Nabuco.

    Para proteger os jovens, Haidt propõe quatro ações urgentes:

    • Nada de smartphones antes dos 14 anos;
    • Não ter redes sociais antes dos 16 anos;
    • Escolas têm que ser espaços completamente livres de celulares;
    • Substituir a dependência do celular por uma infância mais independente, com mais brincadeiras e riscos.

    Tecnologias educacionais

    Fernando Trevisani ressalta que a tecnologia digital expandiu os horizontes do ensino, integrando a rotina escolar à vida cotidiana. No entanto, ele reconhece que resultados positivos não dependem apenas das ferramentas utilizadas. O importante, na verdade, é o contexto pedagógico em que são aplicadas.


    Em sua análise, a oferta de infraestrutura tecnológica é mais eficiente quando combinada a estratégias complementares. Isso inclui a disponibilização de materiais digitais, o incentivo ao desenvolvimento de novas competências e o planejamento integrado a outras metodologias.

    Como aproveitar o poder dos dispositivos móveis na educação sem ignorar as preocupações sobre seus efeitos negativos? Trevisani oferece uma sugestão: “Monitorar e avaliar o uso do celular é essencial. Assim, podemos maximizar seus benefícios enquanto mitigamos os riscos.”

    Aqui estão cinco dicas para melhorar o uso do celular em sala de aula, voltadas para crianças e jovens do ensino fundamental ao médio:

    Estabeleça regras claras: crie diretrizes simples sobre quando e como os alunos podem usar os celulares.

    Incentive aplicativos educativos: use jogos e quizzes que promovam o aprendizado e tornem a experiência mais envolvente.

    Planeje atividades interativas: integre o celular em votações, pesquisas rápidas e projetos em grupo.

    Fomente a autoconsciência: ajude os alunos a refletirem sobre seu uso, reconhecendo distrações e tomando decisões conscientes.

    Realize discussões construtivas: promova diálogos sobre o impacto dos celulares, discutindo benefícios e desafios, e incentivando o compartilhamento de experiências.

    Quando a proibição se torna um problema

    De corretores automáticos a mapas de trânsito em tempo real, a inteligência artificial (IA) já faz parte do nosso dia a dia — e sua presença só vai aumentar. Especialistas do Instituto de Estudos do Futuro de Copenhague prevem que, em cinco anos, 99% do conteúdo do conteúdo postado na internet será gerado por IA. Além disso, a IA pode atingir US$ 990 bilhões (R$ 5,4 trilhões) até 2027, segundo a consultoria Bain & Co. “Não dá para fingir que essa transformação não está acontecendo”, adverte Fernando Trevisani, que foi um dos organizadores do livro Ensino híbrido: personalização e tecnologia na educação .

     

    Um exemplo desse avanço foi o lançamento do iPhone 16, apresentado no evento anual da Apple em 9 de setembro. A novidade mais aguardada é o software de IA generativa integrado ao iOS 18. Embora os primeiros recursos estejam previstos para o final de 2024, a versão completa, incluindo suporte ao português, só deve ser lançada em 2025. As funcionalidades prometem revolucionar a experiência do usuário com edição de imagens via IA, tradução automática e ferramentas avançadas para mensagens . “Com a rápida adesão de outros fabricantes, essa tecnologia logo estará acessível a crianças de todo o mundo”, afirma.


    A automação desenfreada também está modificando o trabalho. De acordo com uma pesquisa do FMI (Fundo Monetário Internacional), 40% dos cargos atuais devem ser afetados pela tecnologia em todo o mundo. Essa projeção ganha força com um estudo do McKinsey Global Institute, que estima que, até 2030, cerca de 14% dos profissionais terão que mudar de carreira devido ao impacto da digitalização, robótica e IA.

    Áreas relacionadas à saúde, administração e marketing estão entre mais propensas à automação. Capacitação em torno da tecnologia será decisiva para o futuro dos trabalhadores. “As habilidades e competências digitais precisam ser acessíveis a toda a população, em todas as faixas etárias e origens. Cada escola deve levar em consideração tanto os riscos quanto as oportunidades que a tecnologia traz”, conclui Trevisani.

     

    Por Redação

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